sexta-feira, 22 de agosto de 2008

*Aurora - CEBolso nº1

Esse conto é da autoria de Alvaro Souza (que ocupa nosso estimado cargo de revisor) e foi publicado na 1ª edição da Contos Extraordinários Bolso, um encarte que acompanha a edição 4 da revista principal. Se você não comprou ela ainda, PUTA MERDA, tá esperando o quê???

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Aurora
Alvaro Souza

De olhos fechados, sentia a raiva que se insinuava havia já alguns minutos aumentar; lenta, mas irreprimível. Abriu os olhos, por mais que não o quisesse - abri-los era sacramentar o fato de que ainda estava consciente. Por que ainda estava consciente? Ou, talvez, por que estava consciente? Encarando o teto, num escuro cada vez mais penumbra, viu que a noite dissolvia-se em manhã rápido demais. Era sempre rápido demais.

Toda noite a mesma coisa: demorava a pegar no sono, um sono entrecortado e inquieto, do qual despertava inúmeras vezes sem razão aparente, e que se interrompia totalmente, como que por mágica, sempre antes da hora de levantar. Tentara de tudo, desde exercícios físicos durante o dia, para ver se ficava cansado, a chás, e até alguns remédios. O resultado era sempre o mesmo. Já desistira de conseguir adormecer cedo, abdicara a qualquer pretensão de dormir sem interrupções, nada disso importava mais. O que ainda queria, aquilo de que ainda precisava, era não acordar mais antes da hora.

Fechou os olhos novamente e virou-se para a esquerda, puxando a coberta sobre si. Descobriu os pés, mudou o braço direito de posição e mexeu a cabeça no travesseiro. Virou de bruços. Virou-se outra vez, agora sobre o lado direito. Embolou um pouco da coberta entre os joelhos e abraçou o outro travesseiro. Nas primeiras noites, lamentava-se, de uma forma ainda um tanto despreocupada. Quando ficou certo que um padrão se formava, exasperou-se ao ponto das lágrimas. Agora, sentia apenas raiva. Muita raiva.

Tornou a abrir os olhos, e a voracidade com que o quarto ficara mais claro desde a última olhada inflamou a sua ira. O dia sempre parecia aproximar-se num ritmo enlouquecido, impondo-se mais e mais sobre ele, desdenhosamente, zombando de seus patéticos esforços em arrancar da noite ainda quaisquer 10 minutos de sono.

Esse tempo que passava acordado rolando na cama, logo antes de levantar, eram os piores 30, 40 minutos – às vezes mais de hora – do seu dia. Era o momento de insônia em que estava mais consciente, o tempo de descanso que mais sentia que iria fazer falta ao longo do dia. Mas, mais do que isso, era tempo que ele passava parado sem fazer nada.

E quando ficava parado sem fazer nada, remoía.

Virou para cima e encarou o teto.

Poderia simplesmente levantar-se e arrumar algo com o que se ocupar, mas, em sua cabeça, precisava esperar o despertador tocar. Era mais que um despertador, era um símbolo, levantar depois de seu toque era levantar no horário, dentro da normalidade. Como alguém que nada tem a temer. Como deveria ser.

Fazê-lo antes disso era fugir, reconhecer que era incapaz, fraco demais para encarar tudo o que assaltava sua mente enquanto ansiava pelo despertar do relógio (indelevelmente atrasado em relação ao seu), tudo o de que tinha que se arrepender, tudo o que vinha culpá-lo, tudo o que vinha frustrá-lo.

Já tentara adiantar o despertador. De 6:20 passou a 6:00, e então a 5:40, 5:20. Mas era como se sua mente requisitasse aquele momento para confrontá-lo. Com o tempo encontrara, durante o dia, formas de distrair-se, de ocupar-se, de não pensar, de não encarar. Então sua consciência cobrava-lhe aquele tempo de seu sono para lembrá-lo de que não havia escapatória.

Fechou os olhos com força e virou-se para a parede, encolhendo-se. Sua consciência. Desgraçada! Por que não havia escapatória? Achara um meio de levar os dias com um pouco mais de paz, e ela, então, encontrou um jeito de arruiná-los antes mesmo que começassem. Apertou mais a coberta entre os dedos. Estava cansado de tudo aquilo, cansado da raiva com a qual já se levantava! Por que tinha que lembrar? Por que tinha que encarar? Estava cansado de se sentir culpado, cansado de se sentir frustrado.

Era passado! Não fazia ele agora tudo o que podia? Cerrou os olhos com ainda mais força. Preparou-se para a resposta que, sabia, estava vindo esmurrar-lhe a boca do estômago ainda uma vez mais:

Não.

Fazia tudo o que conseguia, e sua maldição era não conseguir fazer tudo o que podia, era não estar à altura de tudo aquilo de que era capaz, não corresponder a um potencial que...

É HORA DE LEVANTAR – SÃO – 5 HORAS – E – ZERO MINUTO – É HORA DE LEVANTAR – SÃO – 5 HORAS – E – ZERO MINUTO – É HORA DE LEVANTAR - __

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É provável que todas as vezes que publicarmos uma edição da CEBolso, seus textos venham parar aqui no blog, na íntegra, para apreciação geral.

Por isso fica registrado o pedido de comentários a respeito da obra, que podem ser feitos aqui no próprio blog - afinal, os autores estão sempre esperando algum tipo de reação, seja ela qual for. Gostou? Detestou? Curtiu pra caramba? Quase dormiu lendo? Deixe suas impressões aqui! Comente! Para os que não sabem como, é fácil: clique na palavra COMENTÁRIOS logo no fim deste post (não há necessidade de se identificar; caso prefira, escolha a opção anônimo).

Logo postarei o outro conto da CEBolso nº 1: Metamorfose Colossal, de Cristiano Imada.

Aguarde!

Em breve: a 5ª edição!

4 comentários:

Anônimo disse...

Putz, essa última tá massa mesmo. As três histórias. xD
Valeu ^^

Anônimo disse...

álvaro, não pare de escrever! ficou muito bom o seu conto!

Madness_brain disse...

Álvaro, ficou excelente o conto. Alias essa revista esta muito boa.

Abraços

Anônimo disse...

Estou aguardando a minha história!

Ela falará sobre a doçura e ternura da vida; pode também versar sobre política e ainda os mistérios da vida, enfim, qualquer tema - menos violência. Cultura de PAZ já!

Beijos!!!